Saber que está infectado com a Covid-19 ou que está sob suspeita não é nada fácil. O medo toma conta, principalmente quando se observa a evolução rápida da doença e suas possíveis complicações. Diante dessa situação, ainda há outro agravante: o isolamento domiciliar.
Uma pessoa infectada ou sob suspeita precisa tomar uma série de medidas de prevenção dentro de sua própria casa para não contaminar a família. O isolamento domiciliar é ainda mais dramático do que o social, já que durante 14 dias, pelo menos, exige-se que a pessoa permaneça em apenas um cômodo da casa, não compartilhe objetos, mantenha rígidos métodos de higiene do corpo e de tudo o que toca, não se aproxime dos demais, dentre várias outras medidas. O medo soma-se aos inevitáveis sentimentos de incerteza e solidão.
Ciente disso, os psicólogos que compõem a diretoria de Saúde Mental da Coordenadoria de Atenção Básica à Saúde (Cabs) de Barueri estão, desde abril, realizando atendimentos junto aos pacientes em isolamento doméstico. São ao menos três “encontros”, sejam por telefone ou por videochamada, como o paciente preferir, com duração de 30 a 45 minutos. O protocolo de atendimento estabelecido em conjunto entre os profissionais define que o contato inicial deve ocorrer entre o primeiro e o terceiro dia de isolamento.
“Nas Unidades Básicas de Saúde o monitoramento é realizado em parceria com a enfermagem, que também monitora a evolução clínica e os sintomas dos pacientes. Do ponto de vista da saúde mental, a ideia é propiciar uma escuta qualificada acerca dos sentimentos que emergem nesse momento, além do acolhimento das demandas, reforçar e, principalmente, manter o contato e a vinculação com a unidade de saúde, bem como reforçar a importância da manutenção do isolamento”, explica a diretora de Saúde Mental do município, Ana Paula Briguet.
Monitoramento constante
A equipe de enfermagem da Cabs já realiza um monitoramento junto a todos os pacientes confirmados ou com suspeita de Covid-19 por meio de ligações telefônicas a cada 48 horas. Os pacientes com maior demanda psicológica são indicados à Saúde Mental, que entra em cena. Atualmente, são cerca de 555 pacientes recebendo o atendimento psicológico. A abordagem tem respaldo do Conselho Federal de Psicologia, que tem realizado um cadastro prévio de quem pode realizar esse tipo de atendimento. O sigilo entre médico e paciente também continua garantido nesse modelo de consulta.
A psicóloga Dailza Pineda compõe a equipe que elaborou as novas estratégias e que têm feito esses atendimentos e menciona a urgência desse tipo de assistência em diversas frentes.
“Sabemos que as questões de cada um tendem a se acentuar, estamos todos emocionalmente abalados de alguma forma. Quem tem questões mais emergentes relativas à saúde mental pode estar piorando dentro de casa, isolado. Sabemos que as redes de apoio, como familiares, amigos, trabalho, muitas vezes são responsáveis por nos manter firmes e saudáveis. Por isso, neste momento onde isso tudo pode estar mais fragilizado, não podemos nos omitir. A gente precisou desenvolver alguma estratégia de suporte, ainda que a distância. Ou seja, uma oportunidade de manter a escuta e, com ela, trabalhar na (re)construção de saúde para cada uma das pessoas que atendemos e que nos trazem as mais diversas questões”, explica.
Dificuldades de adaptação à nova rotina, insegurança com a própria saúde e com a possibilidade de infectar outros, medo da perda, além de questões trabalhistas e de desemprego têm sido recorrentes durante as consultas nesse período. Mas Dailza ressalta que, muitas vezes, a pandemia serviu apenas como estopim de algo que já estava lá. “Ainda que as demandas estejam de alguma forma permeadas, acentuadas ou emergidas pela pandemia, normalmente tendem a ser questões que de alguma maneira já estavam lá e que dizem a forma como cada um lida com suas urgências, dores, medos, lutos, planos, ou seja, como conduzem suas vidas”, diz a psicóloga.
Mas ela complementa: “por outro lado, é claro que vivemos um momento de medo intensificado, sobretudo para as pessoas dos grupos de risco. A presença de uma ameaça invisível também mexe com a gente, a imposição do distanciamento social fragiliza nossas redes pessoais, as situações de violência dentro de casa também ficam mais escondidas, além das situações de luto, que hoje tomam uma extensão maior, tendo em vista o altíssimo número de mortes a cada dia e a impossibilidade da realização de rituais de despedida que, sabemos, são importantes balizas do nosso luto desde sempre”.
Suporte emocional a quem precisa
Pessoas em isolamento que sintam a necessidade de um acompanhamento psicológico podem solicitá-lo junto ao profissional da UBS que faz seu monitoramento.
Além das consultas psicológicas voltadas às pessoas em isolamento, a Saúde Mental também tem se dedicado ao atendimento de pacientes que já recebiam esse tipo de assistência nas UBSs, só que agora a distância, também por telefone, computador e vídeo. Há também um outro projeto em andamento, que oferece suporte psicológico aos profissionais da saúde. Neste caso, são direcionados a eles psicólogos que não atuem na mesma unidade e que não tenham vínculo direto, por questões éticas.