Por: Carol Lima | Paulo Talarico
Com cerca de um quilômetro, a avenida Zelia cruza o Parque dos Camargos, bairro de Barueri, na Grande São Paulo. Ao andar por ela, você verá a Olga, a Márcia, a Gisele, a Odete, a Aline, a Cristiane e a Marisa. Todas ruas que se conectam com a Zélia e com mais de 30 ruas com nomes de mulheres.
O bairro na periferia barueriense é um caso raro na Grande São Paulo e talvez em todo o Brasil. Com um país marcado por nomenclaturas masculinas em espaços públicos, a região é formada exclusivamente por nomes femininos, graças a uma homenagem feita no começo do loteamento que gerou o bairro ainda nos primeiros anos da cidade.
Em São Paulo, por exemplo, um levantamento do portal Medida SP mostrou que das 70 mil ruas da capital paulista, apenas 5 mil tinham nomes de mulheres, enquanto 27 mil levavam nomes masculinos.
O mesmo site, criado pelo urbanista Bernardo Loureiro, trouxe um mapa interativo onde era possível por cidade a classificação das vias. Foi nele que um campo rosado se destaca em Barueri: justamente o Parque dos Camargos. A página está fora do ar temporariamente, mas é possível ver outros estudos no portal.
“Acho interessante porque valoriza as mulheres nos dias de hoje. Eu imagino que a Olga devia ser uma mulher muito importante, muito guerreira, alguém especial’’, afirma Eulalia.
A Agência Mural entrou em contato com a Câmara de Barueri e com a Prefeitura para entender o que levou o bairro a ter essa característica feminina e quem eram essas mulheres.
No legislativo, não foi encontrada nenhuma lei que de denominação de vias no bairro.
Ocorre que os nomes dados ali vieram de um outro momento, quando a cidade começava a se formar com novos loteamentos, antes de ser necessário votar uma lei para dar nome às vias.






Parque dos Camargos em Barueri só tem vias com nomes femininos@Léu Britto/Agência Mural
Na época, os proprietários que vendiam novos lotes tinham as vias aprovadas com nome de números: rua 1, rua 2, etc, e posteriormente a prefeitura nomeava as vias.
De acordo com o setor de tributos, os funcionários da prefeitura que realizavam essa denominação decidiram homenagear as mulheres neste bairro. Decidiram nomear todas as vias com o primeiro nome feminino, mas não de personalidades específicas.
Por isso não há sobrenome em nenhuma das vias, todas são ruas Irene, Maria, Rosely, Gabriela e assim por diante, como uma homenagem geral às mulheres que têm essa denominação. A única exceção é a rua Cecilia Teodoro dos Santos.

Reini é uma das moradoras mais antigas do bairro e mantém oficina de costura onde mora Foto: Léu Britto/Agência Mural
A costureira Reini de Carvalho Sousa Almeida, 64, mora há 35 anos na rua Olga e foi uma das primeiras moradoras. Na época, quando havia uma ocupação no bairro, ela conseguiu comprar um pedacinho de terra com os dois filhos em um tempo de muitas dificuldades.
“Foi muito importante, porque na época foi um socorro para mim [conseguir a moradia]”.
Reini conta que começou a costurar desde que se mudou para o bairro, e é o meio de trabalho que mantém até hoje. O espaço continua o mesmo e ela tem vários clientes do Parque dos Camargos.
“Já foi muito difícil morar aqui, mas hoje a rua Olga está bem tranquila, é o sonho de qualquer um viver no bairro”.
A rua oferece mercados, padarias, bares, salão de beleza, adegas e centro cultural e profissionalizante para jovens, mulheres e idosos.

Moradora da rua Amélia há 40 anos, Vera Lúcia Lima Veloso, 61, conta um pouco da própria história e considera especial ter vias com essa homenagem. “Tem até o meu nome Lúcia”, afirma citando uma via que está perto da casa dela.
“Tenho um filho que nasceu no Dia da Mulher, sou agraciada por isso e feliz em ser mulher”, declara Lúcia.

Mulheres em Barueri
Localizada na região oeste da Grande São Paulo, Barueri conta com mais de 1900 vias e esse tipo de homenagem a um tema específico é comum em várias partes da cidade.
De acordo com o “Livro das Ruas de Barueri”, publicado pela secretaria de Cultura e Turismo da cidade, há “bairros que concentram ruas com nomes de pedras (Jardim dos Camargos, onde estão vias como a Rubi e Topazio); personagens bíblicos (Jardim São Pedro); flores (Jardim Flórida e Alphaville); cidades (Tamboré); mares e oceanos (Jardim Reginalice); pássaros (Aldeia da Serra); e árvores (Parque Viana); países (Alphaville).

No caso do Parque dos Camargos, as mulheres foram as escolhidas e servem também de marca para o dia 8 de Março, considerado o Dia Internacional da Mulher, e que simboliza as lutas protagonizadas por mulheres para a garantia de direitos e igualdade.
Para a jovem Melissa Yechodoro, 22, moradora da rua Olga, o nome das ruas do bairro “mostra que as mulheres também são capazes de fazer marco na história e de como a gente é importante para a cidade’’.
Apesar disso, Barueri é uma cidade onde a presença feminina ainda é sub-representada na política. A cidade nunca teve uma prefeita mulher e a Câmara dos Vereadores tem apenas uma parlamentar entre os 21 membros – Cris da Maternal (PSDB).
Em 2024, apenas uma mulher disputou a prefeitura, Sabrina Nabuco (PSOL). Por outro lado, a cidade elegeu a primeira vice-prefeita da história: Doutora Claudia (PSB).